01 novembro 2009
Revolucionemos!
Eu sugiro que nos inspiremos na força e inteligência destes três senhores e REVOLUCIONEMOS!
É bom acreditar num novo amanhã. E ser idealista. E ser insatisfeito. Eternamente.
O Primeiro Dia, por Sérgio Godinho
A principio é simples, anda-se sózinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no borborinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida:
"Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida."
Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado, que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida:
"Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida."
E é então que, amigos, nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se, come-se e alguém nos diz: bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida:
"Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida."
Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
olha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso, por curto que seja
apagam-se dúvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida:
"Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida."
Enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar, sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida:
"Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida."
E entretanto o tempo fez cinza da brasa
e outra maré cheia virá da maré vazia
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida:
"Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida."
O Charlatão, por José Mário Branco
Numa rua de má fama
faz negócio um charlatão
vende perfumes de lama, anéis d'ouro a um tostão
enriquece o charlatão
No beco mal afamado
as mulheres não têm marido
um está preso, outro é soldado
um está morto e outro f'rido
e outro em França anda perdido
É entrar, senhorias
a ver o que cá se lavra
sete ratos, três enguias
uma cabra abracadabra
Na ruela de má fama
o charlatão vive à larga
chegam-lhe toda a semana
em camionetas de carga
rezas doces, paga amarga
No beco dos mal-fadados
os catraios passam fome
têm os dentes enterrados
no pão que ninguém mais come
os catraios passam fome
É entrar, senhorias
a ver o que cá se lavra
sete ratos, três enguias
uma cabra abracadabra
Na travessa dos defuntos
charlatões e charlatonas
discutem dos seus assuntos
repartem-s'em quatro zonas
instalados em poltronas
Pr'á rua saem toupeiras
entra o frio nos buracos
dorme a gente nas soleiras
das casas feitas em cacos
em troca d'alguns patacos
É entrar, senhorias
a ver o que cá se lavras
ete ratos, três enguias
uma cabra abracadabra
Entre a rua e o país
vai o passo dum anão
vai o rei que ninguém quis
vai o tiro dum canhão
e o trono é do charlatão
É entrar, senhorias
a ver o que cá se lavra
sete ratos, três enguias
uma cabra abracadabra
É entrar, senhorias
É entrar, senhorias
É entrar, senhorias
Rosalinda, por Fausto
Rosalinda se tu fores à praia
se tu fores ver o mar
cuidado não te descaia
o teu pé de catraia em óleo sujo à beira-mar
a branca areia de ontem
está cheiinha de alcatrão
as dunas de vento batidas
são de plástico e carvão
e cheiram mal como avenidas
vieram para aqui fugidas
a lama, a putrefacção
as aves já voam feridas
e outras caem ao chão
Mas na verdade Rosalinda
nas fábricas que ali vês
o operário respira ainda envenenado
a desmaiar o que mais há desta aridez
pois os que mandam no mundo só vivem
querendo ganhar mesmo matando a
quele que morrendo vive a trabalhar
Tem cuidado...
Rosalinda se tu fores à praia
se tu fores ver o mar
cuidado não te descaia
o teu pé de catraia em óleo sujo à beira-mar
Em Ferrel lá p´ra Peniche
vão fazer uma central
que para alguns é nuclear
mas para muitos é mortal
os peixes hão-de vir à mão
um doente outro sem vida
não tem vida o pescador
morre o sável e o salmão
isto é civilização, assim falou um senhor
Tem cuidado...
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