29 agosto 2007

Hoje acordei pela primeira vez com o som da chuva

Pela primeira vez desde que estou em Cabo Verde (há sete meses e 20 dias) acordei com o som da chuva. Chuva que caía intensamente na Cidade da Praia. A minha primeira reacção foi querer ficar na cama o dia todo, vício tipicamente português. Mas depois decidi viver este meu primeiro dia de chuva à maneira cabo-verdiano e ir tomar um banho dessa benção dos céus.

Contrariei o corpo, saltei da cama e corri para o meu jardim (que estava muito mais bonito, com as suas cores mais brilhantes e as folhas mais viçosas). O meu banho de chuva que refrescou-me a alma e lavou-me as ideias.

17 agosto 2007

O que queria ser para ti

"Queria ser terra firme, a tua certeza, o teu bem mais importante. Queria que nunca tivesses desistido de mim como não desistimos nunca de comer, de respirar, a não ser quando desistimos de viver".

in Cânticos de uma velha, "Eileenístico", por Eileen Barbosa Almeida

Conta, peso e medida



Explica-me, por favor, como hei-de controlar este amor desregrado e indisciplinado que sinto por ti.

Diz-me, por favor, qual a conta dos meus beijos, qual o peso da minha atenção, qual a medida dos meus telefonemas.

Mostra-me, por favor, como hei-de gostar de ti sem te sufocar.

Esclarece-me, porque junto de ti sinto-me uma analfabeta de sentimentos, pois ainda não sei amar este amor que tenho por ti.

16 agosto 2007

Rabelados

No meio do mês de Julho fui visitar a comunidade dos Rabelados, em Espinho Branco, concelho da Calheta, ilha de Santiago. Foi uma experiência muito gratificante, é entrar noutra dimensão. Por isso, deixo aqui as fotos tiradas pelo meu amigo/colega de trabalho Belito e os textos que publiquei n'A Semana.

A nova era dos Rabelados

Por: Catarina Abreu

Entrar nos Rabelados é viver outra dimensão deste mundo cheio de mundos. Um mundo, onde impera a simplicidade, o “djunta mon” e o misticismo, revelou-se aos outros mundos através da sua expressão artística. Um dia rejeitaram o mundo guiado por regras com as quais não concordavam. Esse mundo também não quis saber e optou por ignorá-los. E assim foram vivendo de costas voltadas até que a aurora do século XXI despertou a nova era dos Rabelados e conciliou estes dois mundos.

Ao chegar ao primeiro funku, conhecemos Ney e Sabino, dois jovens que se sustentam a si e às suas famílias com a venda das telas. As casas di padja, onde nos recebem, são simples, assim como aquela que albergou o nascimento de Jesus e, por isso, optam por este tipo de habitação. A própria disposição do funku fomenta a vida comunitária que pauta o modus vivendi destas gentes: pequenos quartos rodeiam um espaço central onde se encontram e recebem quem vem de fora. Ao contrário do preconceito intrusado na sociedade cabo-verdiana, os Rabelados têm em si toda a morabeza crioula.

O tempo que estes jovens dedicam à pintura e à cerâmica é dividido com as tarefas da agricultura de sobrevivência e que não é suficiente para alimentar toda a população, estimada entre as 300 e as 350 pessoas. A próxima paragem é o atelier onde estão expostas as telas, as bolsas e até peças de mobiliário feitas pelas mãos da juventude da aldeia. Um amontoado de cores e formas invadem-nos a retina, num espaço alegre e de convívio entre todos.

Ali está também instalada a sala de massagens, da responsabilidade de uma rapariga da aldeia que usa a terapia de pedras de vulcão. Aliás, está aqui uma das potencialidades da comunidade dos Rabelados. Como durante anos não contactaram com a medicina moderna, tiveram que apurar técnicas ancestrais, daí que sejam mestres no uso das plantas medicinais, que utilizam segundo o calendário biodinâmico, e já exportam, por exemplo, comprimidos de babosa.

Subindo umas escadas, acedemos a uma esplanada em que as mesas são protegidas do Sol pela mesma padja com que fazem as suas casas e as paredes são revestidas por azulejos pintados e esculpidos com as mãos dos próprios Rabelados. Misá, a artista plástica que há dez anos trabalha em prol daquela comunidade e a quem se atribui a abertura das gentes de Rabu di Spinhu Branku à sociedade, explica-nos o próximo grande projecto para a aldeia. A aposta no ecoturismo afigura-se como uma actividade geradora de rendimento e que possibilita o auto-sustento dos Rabelados. A ideia é trazer turistas que vão viver como um deles: dormir nas suas camas, comer nas suas mesas e participar nos seus rituais. Poderão passear nas levadas das montanhas que cercam a aldeia e aprender nos ateliers de pintura e cerâmica minsitrados pelas próprias gentes da terra.

Voluntários na formação e que chegaram de várias partes do mundo, como França, Itália, Portugal, Senegal a até do Japão, passaram por essa “experiência piloto” de ecoturismo e, segundo nos contam alguns dos jovens que com eles conviveram, o resultado foi positivo. “Podemos aprender outras coisas, saber de outras culturas e eles também podem ajudar no sustento da comunidade”, comenta Sabino.

Essa abertura a outros mundos nota-se com iniciativas, como por exemplo, a realização da aldeia artesanal, em Agosto de 2005, onde qualquer um podia participar em ateliers de arte e de medicina tradicional, em concursos de desportos como “fundia”, “roda” e “tracatchupa” e provar os pratos da gastronomia típica. O lançamento do disco “Cânticos sagrados de Cabo Verde – A litania dos Rabelados”, também em 2005, deu a conhecer as ladainhas com que interpelam Deus, os santos e a Virgem Maria e Lhes pedem para que intercedam em seu favor.

Subindo pela aldeia, conhecemos uma anciã sentada na soleira da sua porta a fazer bonecas de pano. Jocosa, Misá comenta com ela: “Já começou a fazer os maridos, porque até agora só fazia mulheres com os seus filhos amarrados às costas!”. A mulher ri e mostra, vaidosa, a sua forma de arte, que também é o seu sustento.

Em frente ao funku da anciã das bonecas de pano, está o Centro Social de dez salas, a maior conquista dos Rabelados. Ali, funciona o jardim infantil, onde as crianças desenvolvem as suas actividades e têm formação. Na sala de costura, há panos por todo lado, que são “ratchados” e trançados para a tapeçaria e para as bolsas. É onde se confeccionam roupas, que um dia sonham em comercializar. Espalhadas pelo local, estão também as tchabetas das meninas que finalmente conseguiram formar o seu grupo de batucadeiras. Até há bem pouco tempo, as mulheres não podiam cantar nem dançar e “esta foi uma grande vitória”, conta Misá.

Longe vão os tempos em que objectos como câmaras fotográficas e televisores eram considerados obras do demónio. Na sala de televisão, há sessões agendadas duas a três vezes por semana e quem quer assistir paga 10 escudos para fazer funcionar o gerador de electricidade.

Outras pequenas grandes vitórias são os fornos para a cerâmica e para o pão que abastece toda a aldeia e que esta gente exibe com orgulho. A Organização Mundial de Saúde financiou as infra-estruturas básicas como unidades sanitárias e o sistema de aprovisionamento de água. Todas as semanas chega um camião e enche o tanque que fornece o precioso líquido a toda a aldeia.

Por todos os funkus por onde passamos, somos convidados a entrar, a sentar e a dar dois dedos de conversa num crioulo profundo que custa-me a entender. Fomos conhecer a casa de Kanhubai, que conseguiu comprar o seu terreno e erguer a sua “moradia” graças ao dinheiro que fez com a venda das suas telas.

O problema do tchon também já chegou aos Rabelados. Os terrenos que ocupam há décadas não são deles, nem do Estado, mas sim de privados. Manifestaram essa preocupação num encontro, em Fevereiro de 2007, com o Presidente da Assembleia Nacional, Aristides Lima. Durante uma visita à aldeia, José Maria Neves prometeu que vai adquirir esses terrenos para que possam construir livremente os seus funkus e continuarem com as plantações. Os Rabelados aguardam estoicamente o seu cumprimento.

A nossa última paragem é a casa de oração, resguardada pela bandeira do PAIGC. À porta está um senhor idoso, a quem pedimos a benção. Lá dentro está Tchetcho, o jovem chefe dos Rabelados, elevado ao cargo depois da morte do seu pai, Nhô Agostinho, em Novembro do ano passado. Nas mãos tem o que simplesmente chamam “O Livro”. Percorre com os dedos as páginas amareladas da Bíblia e o Lunário Perpétuo, que encerram em si os ensinamentos que guiam a vida dos Rabelados. São os documentos sagrados nos quais acreditam com devoção e que não questionam de forma nenhuma.

Tchetcho afirma-se fiel ao “Livro” e às tradições rabeladas mas defende que é legítimo a busca por uma vida melhor. A pobreza está na origem da partida de alguns Rabelados para a Praia, para outras ilhas e até para o estrangeiro. “Têm o direito de procurar uma vida melhor para as nossas famílias”, realça.

E as viragens de pensamento raramente trazem consensos, daí que a abertura à aldeia global traga polémica ao seio da comunidade. Mas chegou a altura de se romper com um ciclo centenário: primeiro revoltaram-se quando foram trazidos do continente africano para Cabo Verde, depois rebelaram-se contra o poder colonial português e agora chega a hora de terminar com a marginalização imposta pela actual sociedade cabo-verdiana.


Artigo de Opinião

O vil metal

Por: Catarina Abreu

Uma das premissas da comunidade dos Rabelados é a rejeição dos objectos de metal. Claro que com o passar dos tempos essa crença passou a ser apenas uma lembrança do passado, mas pelos vistos, ela ainda faz algum sentido.

Mas como dar razão à história e ensinamentos antigos é este metal (leia-se dinheiro) que volta, agora, trazido por consciências menos escrupulosas, para conspurcar uma obra digna, a de uma comunidade que numa revolução silenciosa conquista o seu espaço, para viver “dignamente” mas à sua maneira, o seu tempo. Enquanto uma pessoa “deu expediente” pelos Rabelados, para que tivessem acesso a condições básicas de vida como água e tratamento médico, ninguém disse nada. Todos calaram e consentiram o percurso de luta de Misá, composto por pequenas grandes vitórias e também por erros, característicos da condição humana.

Mas quando nas regras deste jogo entrou o dinheiro, esse vil metal tão essencial como maldito, a coisa mudou de figura e começa-se a assistir a um levantar de vozes contra quem durante mais de dez anos dedicou-se única e exclusivamente à defesa de uma causa, na qual acredita piamente.

Tudo começou com a Feira Internacional de Arte Contemporânea de Madrid – ARCO 2007, que se realizou em Fevereiro. Misá foi escolhida pela Arte InVisible para ser a comissária responsável pela participação de Cabo Verde no evento. Esta entidade faz parte da Agência de Cooperação Internacional, ligada ao Ministério de Assuntos Exteriores e de Cooperação espanhol, organizadora da Feira.

A escolha recaiu sobre Misá, depois de num primeiro momento, os espanhóis terem seleccionado Danny Spínola, que, na altura, tinha que apresentar alguns artistas plásticos contemporâneos para serem apresentados na Feira. Spínola levou nomes como Nelson Lobo, José Maria Barreto e da própria Misá. Só que a organização de Espanha, ao conhecer o trabalho dos Rabelados, interessou-se mais pelas telas desta comunidade, já que o objectivo, tal como afirma Cuca Guixeras, comissária geral do projecto Arte InVisible, era divulgar “os artistas contemporâneos que vivem e trabalham no seu país e que não têm oportunidade de mostrar a sua obra numa manifestação internacional”.

Seleccionados os Rabelados, Danny Spínola demarca-se da organização porque não queria ser comissário sem poder de decisão. Misá assume o posto e leva o trabalho das gentes de Rabu de Espinho Branco a Espanha. Depois da ida a Madrid, três rabelados de outra comunidade, do Bacio, juntamente com Nelson Lobo, Filipe Furtado, deputado da Calheta eleito pelo do MpD, e um jornalista do Expresso das Ilhas foram encontrar-se com o chefe. Ali tentaram convencê-lo de que Misá teria-se tentado aproveitar da comunidade para promover o seu nome e que se apropriou do dinheiro destinado a Tchetcho.

Numa visita a Espinho Branco, sabe-se a versão da história por aqueles que a viveram. É na remuneração de Misá como comissária - 9000 euros (990 contos), que descontados os impostos somava 6225 euros (684 contos) - e nas ajudas de custo – 200 euros (22 contos) - atribuídas a Tchetcho, que começa o grande celeuma que pôs aquela comunidade em alvoroço.

Na altura surgiram também acusações de que Misá teria uma conta em nome dos Rabelados, um endereço de e-mail e que a associação encabeçada pela artista – Abi djan – era uma forma de “disfarçar” as actividades desenvolvidas pelos Rabelados. O que a maior parte das pessoas não sabe é que a comunidade não pode ter uma associação oficialmente reconhecida porque estas pessoas não são registadas e nem nome têm. Uma simples declaração pedida ao banco pode esclarecer que não existe nenhuma conta em nome dos Rabelados. E que “rabelado” é um nome bastante utilizado nos endereços de e-mail em Cabo Verde.

As gentes dos Rabelados rejeitam estes ataques a Misá, ignorando-as até. Reafirmam aquilo que Nhô Agostinho, antigo chefe da comunidade, sempre defendeu: que “Misá é um anjo enviado por Deus”, mas sentem que “a sua recompensa só vai acontecer no céu”. Funku após funku, cada peça, cada novo equipamento, cada iniciativa tem a marca Misá. É o espírito que guia os Rabelados nesta “revolução silenciosa” que vão fazendo nas suas almas. Daí a alegria, o brilho no olhar, a felicidade que toma conta de anciães, jovens e crianças de cada vez que ela aparece. Afinal durante anos e anos os profetas da desgraça surgiram para ela, que foi considerada uma “lunática” por acreditar no desenvolvimento de uma comunidade que nunca foi “tida nem achada” em Cabo Verde.

Mas como o dinheiro é o vil metal, o seu tilintar tentou corromper os sonhos dos Rabelados, que sempre viveram à parte sem pedir nem exigir nada. Foram agitar um modo de vida que parou no tempo. Num truque da vida, os Rabelados também aguçaram o apetite da ganância dos votos, já que os Rabelados não votam, não têm partido e nem possuem cidadania. Como uma das anciãs afirmou: “Nôs partido é rabelado e nôs bandera é PAIGC”.



Olhar de uma menina Rabelada





Dois anciães da comunidade dos Rabelados



Estas pessoas juntaram-se a nós quando eu os entrevistava para o meu artigo.



Forno de cerâmica. Um dos meios de sustento dos Rabelados é a sua arte com a cerâmica.



As casas dos Rabelados são chamadas de "funkus". São revestidas de palha e muito fresquinhas!! As casa de banho são construídas à parte e parecem mini "funkinhos".



As mulheres nos Rabelados são mães muito jovens. Com cerca de 13, 14 anos juntam-se e têm filhos e as suas vidas, depois, são dedicados a eles.



Característica global em Cabo Verde é a beleza das mulheres. Aqui está um desses exemplares. Antes, as mulheres não podiam dançar nem cantar, mas agora até já têm um grupo de batuku!!



Quais playstations e televisões? Aqui as crianças brincam no meio da natureza, num ambiente bem mais saudável!!



Misá



Parteira que viu nascer todos os meninos da aldeia conta histórias de vida.



É com estas pintras que os Rabelados vão sobrevivendo e construindos os seus funkus. Tiveram formação na área da pintura mas tudo o que pintam vem da sua imaginação.



Tchetcho é o actual chefe dos Rabelados.

A Baía dos Regressos

Entre os dias 2, 3 e 4 de Agosto estive a fazer a cobertura do Festival Baía das Gatas, em São Vicente. Com o meu companheiro fotógrafo/paginador Belito fizemos depois um suplemento sobre a "paródia bedju" que foi o Baía. Deixo aqui algumas fotos, do Belito, claro está e o meu texto que saiu no suplemento. Se quiserem ver o suplemento completo (acreditem que vale a pena :)) façam o download no site d'A Semana (www.asemana.cv).

A Baía dos regressos

Por: Catarina Abreu

Regresso do mestre e regresso dos Livity. Deram à costa mindelense dois símbolos da música crioula para fazer história nesta Baía 2007 – a Baía dos regressos. Paulino Vieira já não cantava para os seus há 11 anos e os Livity andavam há décadas dispersos lá pelas Europas, mas Jorge Neto, Kino Cabral e Grace Évora voltaram a juntar. O festival foi, por isso, um reencontro para matar saudades, em que o público e ídolos se abraçaram em concertos memoráveis e extasiantes por serem únicos.

E eu estava ansiosa. Sentia-me um peixe fora de água dentro daquela baía: é que para mim não eram regressos mas estreias. Nunca tinha visto Paulino Vieira e muito menos os Livity. A curiosidade foi-me aguçada pelos meus amigos e colegas, dias antes de partir para o festival. Todos me avisavam que, muito provavelmente, eu ia assistir a um dos marcos da história da música de Cabo Verde. Durante as 16 horas de viagem de barco que antecederam a minha chegada a São Vicente, aqui e ali ouvia: “O show dos Livity vai ser espectacular, mas achas que o Jorge Neto vem?”, “Claro que sim!”. De
um lado, contavam-me, divertidos, os rocambolescos concertos que já assistiram do JN, do seu sonoro “wow!”, da sua presença em palco, da dança à Michael Jackson, do seu trocar de mãos com o microfone. Outros trauteavam as músicas. Mas quando ouvia falar de Paulino Vieira, o tom de voz mudava e o rosto tornava-se mais sério. Respeitosamente, diziam-me ao ouvido, em jeito de segredo: “Vais ver o maior músico de Cabo Verde a tocar”. E assim fui de coração aberto, pronta e atenta para absorver
mais deste país, que actualmente é o meu chão, o meu céu e, enfim, a minha casa.

Espantei-me quando cheguei ao festival. O espaço era enorme e, surpresa, um amontoado de tendas a perder de vista. Naquele momento, soube que o Mindelo muda-se, de ponches e bagagens, para a Baía durante uma semana. Depois era ver um ajuntamento de gentes por todo o lado: em frente ao palco e nas barraquinhas, entre uma trinca num pincho e um gole de cerveja. De reencontros de amigos que não se vêm há anos, de abraços emocionados, de lágrimas sentidas de regresso, do convívio há muito adiado entre pessoas que nas outras ilhas e na diáspora também regressam para estabelecer
a ponte da cabo-verdianidade... Com a música, claro, não fosse ela a seiva que todo o crioulo precisa para viver, crescer. E faz-se música!

No palco, um desfile de vozes numa passerelle encantada pela música de Kim Alves. O talento abundava por ali: Nancy Vieira, Betina Lopes, Arlinda Santos, Paulinha, Denis e Ceuzany. Mais tarde, Bau e Voginha a abrilhantarem tanto canto, com
Titina Rodrigues, Celina Pereira, Bius, Mindau, Constantino, Janise, Edson, Dudu Araújo, Fantcha e Mariana Ramos. Sentia uma injecção de informação a entrar-me na cabeça porque queria absorver tudo, cada som, cada nome, cada palavra. Bau e Voginha mantiveram-se a postos para a entrada tão aguardada de Paulino Vieira. Soaram os primeiros acordes da única música que conhecia do mestre, ouvi-a uma ou duas vezes
por acaso e muitas vezes escuto-a pela redacção, cantarolada pela minha chefe.

Paulino entra, cumprimenta os músicos, saúda o público e canta “M’qria ser poeta”. Nesse momento o meu coração gela. Foi o reencontro de duas pessoas que se amam depois
de viverem anos longe uma da outra. Então, um público, sedento de Paulino, saudoso de Paulino e nostálgico de Paulino gozou aquelas horas de concerto, feliz, mas num
jeito sôfrego, a querer sugar todos os momentos, cada nota e cada verso, porque não sabe quando se poderão voltar a encontrar. E vi lágrimas nos olhos de muita gente. Senti que o céu da minha terra se abria para recerber o mestre e a lua cheia brilhava mais cheia, para iluminar melhor a emoção que varria a Baía.

A mesma atmosfera havia de marcar presença na noite seguinte. Depois de concertos extenuantes entre o hip hop de Boss AC, Zouk Machine, e o show abençoado pela chuva de Netinho, esperava-se pelos Livity. Entra na aurora do dia para culminar a loucura
da noite. Os Livity regressam liderados pelo seu animal de palco, Jorge Neto. E gritos sui generis, palavras de ordem eternas tomam conta de Baía: o público vibra, enlouquece e chora. Milhares de pessoas em estado de insanidade momentânea deixam o
corpo ir, dançar, mover-se ao ritmo das saudades e ao som das memórias.

Há grupos assim na história de cada povo. Uma banda que pelo seu carisma seduz o público para toda a vida. Pessoas que, se calhar, nunca tiveram um disco dos Livity em casa, mas todos sabem de cor as canções. As suas músicas marcaram momentos de muita gente: a infância dos jovens, a adolescência dos mais velhos, a ida à discoteca à escondida dos pais, o primeiro beijo, os amores de uma noite.

O concerto acabou já o sol ia alto. A noite seguinte foi de sabura suave para sossegar corações, com relíquias do reggae e o magnífico concerto de Mayra Andrade. Ferro Gaita fechou o Baía, altura do adeus, até para o ano.

Na memória ficou-me o “nu bem pa fitcha kusa” de Jorge Neto e a harmónica de Paulino Vieira, o mestre com quem falei dias mais tarde e que me impressionou com tamanha sabedoria e leveza de espírito. Foi um festival com o brilho dos regressos e com a emoção dos reencontros. E só sei que um dia, também eu gostava de regressar àquela baía.



O Baía fez-me lembrar a Queima das Fitas do Porto: barracas com promoções de bebidas (aqui não se usa os shots) e um palco com concertos super fixes!



Noite Reggae



Funaná dos Ferro Gaita que fazem os concertos nos quais eu mais me divirto!



Tenho a anunciar que sou a mas recente fã número 1 do Jorge Neto!



Aqui os Livity (sei que assisti a um momento histórico na música de Cabo Verde) com Jorge Neto.



Marvin Júnior protagonizou a noite de reggae



Adorei o concerto de Mayra Andrade!!



Paulino Vieira foi a minha maior experiência na Baía.

01 agosto 2007

Parabéns Sofia!!

"Vou viver, até quando eu não sei. Que me importa o que serei, quero é viver. Amanhã, espero sempre um amanhã. E acredito que será mais um prazer. E a vida é sempre uma curiosidade, que me desperta com a idade - interessa-me o que está pra vir. E a vida em mim é sempre uma certeza, que nasce da minha riqueza, do meu prazer em descobrir, encontrar, renovar, vou fugir ao repetir".

Esta é tua, nossa sabedoria. Aquilo que nos dizemos quando tudo nos parece sombrio, o que nos vem à cabeça quando estamos a ser felizes, por ser a prova daquilo que realmente quer dizer. Há um ano atrás, estavamos nós em Belinho, a eternizar esta música.

Como me lembro do teu aniversário, do ano passado, ai que saudades que me está a dar neste momento. Altura das Gualterianas, ir às barraquinhas renovar o guarda roupa, comprar K7 de música pra gozar com o teu aniversário. Ver as tuas irmãs a correr atrás das pombas. Estar de férias, passar a tarde no Coconuts. E à noite irmos jantar à Rata, com guitarradas do cacha e do vila. Fazer brindes como se não houvesse amanhã, alimentar sonhos com eles. Depois ir à Oliveira, beber shots de Black Russian, falar com toda gente, inclusivamente meter-me uma hora a falar sobre a previsão do tempo com os polícias.

Ir pro CAR (ai como eu insistia sempre em ir ao CAR). Lembro que no dia do teu aniversário no ano passado foi daquelas noites fixes, que tenho no meu coração também por outras razões ligadas àquilo que tu já sabes. Já muito mal seguimos para o Tropicana onde tu dançaste descalça. Ai! Os teus aniversários são sempre sinónimo de paródia "bedju"!!!!!

Credo, tantas recordações... De tantos anos que passamos juntas, da aprendizagem que tivemos juntas. Tu que sempre pareces-te estar mais à frente no pensamento de nós todas. Desde as cartas com os carimbos do chocapic até às conversas nas minhas escadas, as tardes na agência a ouvir rádio comercial, "Jesus del Campo", "É fixe, não é?". Tudo me está a vir à memória em catadupa, a altura amarga em que deixamos que um mal-entendido nos separasse, a amizade mais forte depois de nos termos entendido, "os verdes campos da cor do limão", o "cachofixe". Credo, tanta coisa, que nem tenho velocidade suficiente nas mãos para as enumerar a todas.

Só sei que tu és uma das minhas memórias mais queridas, um dos símbolos mesmo, da minha infância (do fatídico dia em que a porta de ferro do contador me caiu no pé) e da nossa adolescência perfeita e inocente, que com o passar dos anos vejo que vivemos um conto de fadas!!

Adoro-te muito, amiga e as saudades são tantas! Hoje de manhã acordei e enquanto me vestia e tomava banho para vir trabalhar, pus uma sequência de música: spanish caravan (doors), ney matogrosso e nick cave. E saí contigo no meu pensamento... E cada vez que olho pro telemóvel vejo que hoje é dia 1 de Agosto e lembro da alegria que sentíamos pelo teu aniversário estar a chegar, os três dias de festa como os ciganos.

SAUDADES, AMIGA, ADORO-TE!!!!!

Espero que hoje tenhas uma celebração feliz como tem sido a nossa existência até hoje.

PARABÉNS!!!!