16 agosto 2007

A Baía dos Regressos

Entre os dias 2, 3 e 4 de Agosto estive a fazer a cobertura do Festival Baía das Gatas, em São Vicente. Com o meu companheiro fotógrafo/paginador Belito fizemos depois um suplemento sobre a "paródia bedju" que foi o Baía. Deixo aqui algumas fotos, do Belito, claro está e o meu texto que saiu no suplemento. Se quiserem ver o suplemento completo (acreditem que vale a pena :)) façam o download no site d'A Semana (www.asemana.cv).

A Baía dos regressos

Por: Catarina Abreu

Regresso do mestre e regresso dos Livity. Deram à costa mindelense dois símbolos da música crioula para fazer história nesta Baía 2007 – a Baía dos regressos. Paulino Vieira já não cantava para os seus há 11 anos e os Livity andavam há décadas dispersos lá pelas Europas, mas Jorge Neto, Kino Cabral e Grace Évora voltaram a juntar. O festival foi, por isso, um reencontro para matar saudades, em que o público e ídolos se abraçaram em concertos memoráveis e extasiantes por serem únicos.

E eu estava ansiosa. Sentia-me um peixe fora de água dentro daquela baía: é que para mim não eram regressos mas estreias. Nunca tinha visto Paulino Vieira e muito menos os Livity. A curiosidade foi-me aguçada pelos meus amigos e colegas, dias antes de partir para o festival. Todos me avisavam que, muito provavelmente, eu ia assistir a um dos marcos da história da música de Cabo Verde. Durante as 16 horas de viagem de barco que antecederam a minha chegada a São Vicente, aqui e ali ouvia: “O show dos Livity vai ser espectacular, mas achas que o Jorge Neto vem?”, “Claro que sim!”. De
um lado, contavam-me, divertidos, os rocambolescos concertos que já assistiram do JN, do seu sonoro “wow!”, da sua presença em palco, da dança à Michael Jackson, do seu trocar de mãos com o microfone. Outros trauteavam as músicas. Mas quando ouvia falar de Paulino Vieira, o tom de voz mudava e o rosto tornava-se mais sério. Respeitosamente, diziam-me ao ouvido, em jeito de segredo: “Vais ver o maior músico de Cabo Verde a tocar”. E assim fui de coração aberto, pronta e atenta para absorver
mais deste país, que actualmente é o meu chão, o meu céu e, enfim, a minha casa.

Espantei-me quando cheguei ao festival. O espaço era enorme e, surpresa, um amontoado de tendas a perder de vista. Naquele momento, soube que o Mindelo muda-se, de ponches e bagagens, para a Baía durante uma semana. Depois era ver um ajuntamento de gentes por todo o lado: em frente ao palco e nas barraquinhas, entre uma trinca num pincho e um gole de cerveja. De reencontros de amigos que não se vêm há anos, de abraços emocionados, de lágrimas sentidas de regresso, do convívio há muito adiado entre pessoas que nas outras ilhas e na diáspora também regressam para estabelecer
a ponte da cabo-verdianidade... Com a música, claro, não fosse ela a seiva que todo o crioulo precisa para viver, crescer. E faz-se música!

No palco, um desfile de vozes numa passerelle encantada pela música de Kim Alves. O talento abundava por ali: Nancy Vieira, Betina Lopes, Arlinda Santos, Paulinha, Denis e Ceuzany. Mais tarde, Bau e Voginha a abrilhantarem tanto canto, com
Titina Rodrigues, Celina Pereira, Bius, Mindau, Constantino, Janise, Edson, Dudu Araújo, Fantcha e Mariana Ramos. Sentia uma injecção de informação a entrar-me na cabeça porque queria absorver tudo, cada som, cada nome, cada palavra. Bau e Voginha mantiveram-se a postos para a entrada tão aguardada de Paulino Vieira. Soaram os primeiros acordes da única música que conhecia do mestre, ouvi-a uma ou duas vezes
por acaso e muitas vezes escuto-a pela redacção, cantarolada pela minha chefe.

Paulino entra, cumprimenta os músicos, saúda o público e canta “M’qria ser poeta”. Nesse momento o meu coração gela. Foi o reencontro de duas pessoas que se amam depois
de viverem anos longe uma da outra. Então, um público, sedento de Paulino, saudoso de Paulino e nostálgico de Paulino gozou aquelas horas de concerto, feliz, mas num
jeito sôfrego, a querer sugar todos os momentos, cada nota e cada verso, porque não sabe quando se poderão voltar a encontrar. E vi lágrimas nos olhos de muita gente. Senti que o céu da minha terra se abria para recerber o mestre e a lua cheia brilhava mais cheia, para iluminar melhor a emoção que varria a Baía.

A mesma atmosfera havia de marcar presença na noite seguinte. Depois de concertos extenuantes entre o hip hop de Boss AC, Zouk Machine, e o show abençoado pela chuva de Netinho, esperava-se pelos Livity. Entra na aurora do dia para culminar a loucura
da noite. Os Livity regressam liderados pelo seu animal de palco, Jorge Neto. E gritos sui generis, palavras de ordem eternas tomam conta de Baía: o público vibra, enlouquece e chora. Milhares de pessoas em estado de insanidade momentânea deixam o
corpo ir, dançar, mover-se ao ritmo das saudades e ao som das memórias.

Há grupos assim na história de cada povo. Uma banda que pelo seu carisma seduz o público para toda a vida. Pessoas que, se calhar, nunca tiveram um disco dos Livity em casa, mas todos sabem de cor as canções. As suas músicas marcaram momentos de muita gente: a infância dos jovens, a adolescência dos mais velhos, a ida à discoteca à escondida dos pais, o primeiro beijo, os amores de uma noite.

O concerto acabou já o sol ia alto. A noite seguinte foi de sabura suave para sossegar corações, com relíquias do reggae e o magnífico concerto de Mayra Andrade. Ferro Gaita fechou o Baía, altura do adeus, até para o ano.

Na memória ficou-me o “nu bem pa fitcha kusa” de Jorge Neto e a harmónica de Paulino Vieira, o mestre com quem falei dias mais tarde e que me impressionou com tamanha sabedoria e leveza de espírito. Foi um festival com o brilho dos regressos e com a emoção dos reencontros. E só sei que um dia, também eu gostava de regressar àquela baía.



O Baía fez-me lembrar a Queima das Fitas do Porto: barracas com promoções de bebidas (aqui não se usa os shots) e um palco com concertos super fixes!



Noite Reggae



Funaná dos Ferro Gaita que fazem os concertos nos quais eu mais me divirto!



Tenho a anunciar que sou a mas recente fã número 1 do Jorge Neto!



Aqui os Livity (sei que assisti a um momento histórico na música de Cabo Verde) com Jorge Neto.



Marvin Júnior protagonizou a noite de reggae



Adorei o concerto de Mayra Andrade!!



Paulino Vieira foi a minha maior experiência na Baía.

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