09 julho 2008

TCV – Calamidade Pública

Acabei de ver uma reportagem na TCV que me fez explodir para este texto toda a indignação (e depois desta reportagem, raiva mesmo) que a televisão pública cabo-verdiana me tem provocado. Depois de muitas argoladas, pontapés na ética e deontologia jornalística e um português de bradar aos céus (isto para não falar da parte do entretenimento, em que passam séries e filmes pirateados violando as leis do país e o direito internacional. Realço mais uma vez que estamos a falar da televisão PÚBLICA, logo do Estado, que, pelo que sei, ainda é de Direito em Cabo Verde), vêm agora com uma clara violação aos Direitos da Criança.

Uma criança foi vítima de agressão sexual em São Domingos. A população está indignada, claro está. A equipa de reportagem ruma àquele concelho de Santiago, busca a criança, põe-na de costas para a camera, numa tentativa falhada de esconder a sua identidade e faz-lhe perguntas que nem tenho coragem de repetir aqui de tanto que me embrulha o estômago! Fala com os familiares da criança, os amigos, os vizinhos. Monta a bela da peça e colocam-na no ar, conseguindo assim tornar o crime, que de si já é hediondo, ainda mais horrível. Apaziguam as consciências com o aviso da pivot, antes do início da peça, que a reportagem “pode ter linguagem eventualmente chocante”.

Milhões de perguntas me surgem na cabeça. Onde é que a jornalista teve aulas de ética jornalística? Pior, onde está a sua ética pessoal, humanismo? Sim, porque esta peça só serviu para alimentar um ‘voyeurismo’ sórdido. Onde está o director de informação da TCV que permite que uma coisa destas vá para o ar? E se isto fosse com uma familiar dos profissionais envolvidos na produção da peça, gostariam que lhes invadissem a vida da mesma forma? Onde é que andam as autoridades que controlam este género de violação dos Direitos da Criança, no horário nobre da televisão pública?

Quando vi aquela peça senti raiva, muita raiva, e pena também. Pena por mais esta machadada no jornalismo cabo-verdiano. Mas acima de tudo fiquei com aquela menina na cabeça, que por não ter adultos que a protejam quer contra quem a agride fisicamente, quer quem o faz psicologicamente desta forma tão leviana!

6 comentários:

Margarida disse...

Até que enfim alguém pôs o dedo na ferida... Concordo com cada palavra, realmente a ética e deontologia da cadeia de televisão "de todos nós" deixa muito a desejar. Relembro agora muitas e muitas situações de violação dos direitos humanos em pleno Jornal da TCV. É lamentável. Merecia uma análise demorada e a actuação eficaz de quem tutela a comunicação social no país.

Unknown disse...

é de facto eu tb ví e fiquei com o estômago embrulhado não só pelo conteúdo mas principalmente pela forma como isso foi feito. Não se prestou nenhum serviço à vitima, pelo contrário se expôs o sofrimento da familia e da menina de forma gratuita sem a mínima noção de qualidade. Escuso-me de comentar sobre a ética jornalista já que não é a minha área, mas acho que a classe devia se reunir para analisar em detalhe o serviço que se presta ao cidadão, principalmente no horário nobre.

Valeu o olho vivo!!
1ove

Anónimo disse...

Onde anda a Auto-Autoridade para a Comunicaçao Social em Cabo Verde? Onde anda a AJOC? O Director Geral da Comunicaçao Social Eugénio Martins vai ter que tomar medidas urgentes. Como pode a "jornalista" Margarida Moreira avançar com uma reportagem de tao baixo nível, que viola claramente o Código Deontológico do Jornalista e mais ainda, viola o direito do entrevistado, neste caso menor, à sua privacidade. Descrever a violaçao, colocar questoes como e "doeu-te?", "muito ou pouco?", é isto serviço público, jornalismo???
Onde estava o director de informaçao da TCV que deixou isto ir para o ar? O mais estranho é que a jornalista em causa, já desempenhou também funçoes de Directora da TCV e inclusive chegou a ter programas dedicados às crianças.
Isto só vem reforçar o mau serviço público que a TCV vem prestando a todos nós. Tudo menos informaçao de qualidade e rigor, que deviam ser as linhas condutoras de qualquer orgao publico de informaçao.
Esta criança foi violada e a TCV em vez de relatar os factos e tentar apurar a verdade, viola duplamente a criança com a emissao desta reportagem. A jornalista parou para pensar que esta criança agora vai ter que lidar com o olhar critico da sociedade? E a família? Como vai sobreviver a tanta exposiçao e violaçao de privacidade?
Alguém tem de tomar medidas. E rápido.

Anónimo disse...

Código Deontológico do Jornalista:

Ponto 7
"O jornalista não deve identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor."

Ponto 9
"O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos excepto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende. O jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas."

Minhokinha disse...

Sim, de facto foi repugante assistir a esta "reportagem". Chamar-lhe-ia talvez momento diário de sensacionalismo mais absurdo e desumano a que a TCV nos tem vindo a habituar. Parece-me que os profissionais competentes devem unir-se e provocar o tremor de jornalismo mais do que desejável para que não sejamos invadidos, sem pedir nem aceitar, por esta violência gratuita.

May the force continue with you :)

Anónimo disse...

Agradeço à Catarina pelo texto que está muito bem escrito e consegue dizer tudo que muitos de nós pensamos ao ver aquela reportagem. É incrível como uma televisão que se diz Pública consegue mandar uma jornalista já com muitos anos de estrada fazer uma reportagem daquela envergadura e depois publicar a mesma com essa agressividade toda para os telespectadores, sem falar na integridade da criança que vê a sua vida exposta daquela forma. Enfim, eu espero tudo da nossa medíocre televisão desde que vi publicada uma peça feita por uma outra jornalista que colocou uma recem nascida dentro de um saco de plástico num contentor com uma brutalidade que só visto. Eu apelo aos jornalistas TVEC, sim porque para mim nunca deveriam ter deixado de ser Televisão Experimental de Cabo Verde, para deixarem de preguiça e para trabalharem com mais amor a Cabo Verde e com brio profissional, porque sei que se fosse familiar ou filho de alguns desses jornalistas a peça era feita de outra forma como já aconteceu anteriormente.