17 julho 2008

Noticiário das 20h



20 horas em ponto. O sonoro relógio em contagem decrescente da televisão marca o passo do seu posicionamento disfarçadamente profissional para ver o Jornal da Noite. O encontro é certo e pontual. Sabe que ele apareceria, só não tinha a certeza porquê.

Corte de fitas, lançamento de primeiras pedras, estado da Nação, pêsames a um qualquer falecido importante? Qualquer que fosse a razão, nenhum deles faltaria à certeza do encontro. Impreterivelmente.

Ele enquadrado por um “close up”, esverdeado pela luz desregulada da camera, cercado por vários microfones pseudo-inquisidores. Ela não se acomoda no sofá para não transparecer a sua demasiada atenção, mantém os músculos do rosto contraidamente inexpressivos e finaliza cada discurso (dele) com uma risada nervosa e um comentário de quem-percebe-muito-de-todos-os-assuntos-e-problemáticas.

Em cada peça segue a mesma rotina protocolar. Automática, capta o tema a ser tratado para calcular uma opinião e, depois, troca o chip cerebral (basta-lhe sintonizar o “punctum” da peça para saber o que ele vai dizer sem ter que o escutar. Nove anos dos mesmos discursos, de máscaras e brilhos diferentes, não luzem nenhuma revelação).

Enquanto assiste os 2-3 minutos de roda de imprensa, a imaginação viaja alcançando um diálogo esquizofrénico. Ouve-o declarar à nação:

Convoquei todos os órgãos de comunicação social para informar que a amo, exclusivamente e unicamente a ela. Que todas as temáticas estruturais e conjunturais do país são pouco significantes se comparadas à paixão incondicional que por ela nutro. No âmbito do inenarrável encanto que ela emana, asseguro que a minha vida está subjacente à sua vontade”.

Fim de citação.

O rosto (dela) mantém-se estático e, numa milésima de segundos, engendra uma profunda posição opinativa.

Amam-se desta forma. Ele papagueando a saber que ela o estaria a ver. Ela concretizando os seus desejos nos intensos minutos da reportagem do noticiário das 20h. São encontros seguros e fieis, aqueles que nunca tiveram durante o um-entre-muitos namoro de adolescência.

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