24 novembro 2008

15-22/11

Foi uma semana fantástica para espíritos sedentos de cultura desta nossa urbe. Variedade e qualidade viram-se e agradecem-se.

Yo no me lo creo
O flamenco sempre mexeu comigo, impressiona-me a paixão que se canta. Impressiona-me as mulheres que atiram apupos “Olé” e “Vale”, enquanto a protagonista de histórias de amor e de morte canta chorando ou chora cantando, não se bem distinguir. Impressiona-me a ausência do ‘cajon’ (elemento, pensava eu, imprescindível num concerto de flamenco) ser substituído pela “precursão corporal” que incute o ritmo de cada música. Impressiona-me, sobretudo, fechar os olhos e sentir aquela voz a entrar em mim, na corrente do meu sangue, e correr todo o meu corpo num arrepio.

14.11 O flamenco mostrou-se à Cidade da Praia com uma actuação singular de Marina Herédia, acompanhada apenas por uma guitarra e duas vozes femininas. Pena só se terem soltado em danças e largado os microfones no final do espectáculo.


Marina Herédia ( @ El diário montanês)

Navegante na minha meninice

“Oh Maria Faia, oh Faia Maria” foi uma das canções de meninice que me trouxe aquela lagrimazinha e uma gargalhada abafada quando recordei da minha irmã, ainda pequenina, com uns 4 anos, quando os caracóis lhe caiam para os olhos, a dizer que as pessoas do coro do Hospital eram maus porque chamavam a Maria de feia… Lembrei-me dos passeios de domingo à tarde ao São Bentinho, ao Sameiro e à Penha com os meus avós e a minha tia Paulinha, em que cantávamos as mesmas canções que ouvi neste concerto. Foi bom, foi nostálgico, foi reconfortante.

15.11 Num fim-de-semana muito ibérico (sexta-feira, flamenco e sábado, música tradicional portuguesa), os Navegante protagonizaram um espectáculo a saber a terra, ao conforto da minha casa, às saudades de Guimarães. E algo inusitado aconteceu, algo que jamais vi na Cidade da Praia: um concerto que começou a horas. Marcado para as 21h30, espantos dos espantos, os primeiros acordes ouviram-se mesmo às 21 horas e trinta minutos…


José Barros (vocalista dos Navegante @ Attakom)

Manu Preto e Béti a solo

Era a vez da dança. Manu Preto, veterano nas andanças de Dom Quixote, e Béti, que se estreou no seu “Caminho” na Praia, deram-me mais uma vez aquela sensação de “esmagamento” que ambos, juntamente com a companhia Raiz di Polon, sempre me habituou. Habituar, não, que nunca me habituei, porque é uma sensação frequente que nunca acomodei.

17.11 O Centro Cultural Português organizou uma semana de espectáculos por ocasião do Fórum sobre Economia da Cultura. Dois conceitos geralmente pouco associados, mas que pode ser um dos motores de desenvolvimento deste país. Para o desenvolvimento económico e cultural. Mas nisto há riscos, muitos riscos, como em quase tudo quando o pensamento economicista mete o bedelho.

As Máscaras do amor

E agora Teatro. O cenário fez-me lembrar (mesmo que não tenha nada a ver, porque isto de associações mnemónicas pode trapacear qualquer um) o “Sonho de uma noite de Verão”, de Shakespeare, com os baloiços gigantes e a varandinha de hera. O texto, com umas tiradas brilhantes em crioulo, era envolvente. A dialéctica sobre o amor carnal de Arlequim e o amor espiritual do Pierrot, entre o concreto e o sonho, entre duas realidades que, por muito que se queira, nunca se intercepcionam. Ter aquele conforto de ver num texto escrito por outra pessoa (Menotti Del Picchiacomo, em 1920) reflectido o que pensamos, sem que alguma vez tenhamos encontrado as palavras para o descrever.

Encantou-me o amor de Pierrot, nos dias de hoje tão raro, diria mesmo, impossível… Porque é sempre vencido pelo amor de Arlequim, mais rápido, mais intenso e também, por isso, mais vazio.

19.11 A peça Máscaras estreia na Cidade da Praia, na primeira colaboração entre um grupo de teatro do Mindelo e a companhia Raiz di Polon, da Praia. Disseram-me isto como se me tivessem a contar que tinham descoberto a cura para a SIDA e não percebi porquê. “Dah, Catarina, é a primeira vez que um grupo de teatro do Mindelo e um grupo da Praia se juntam”. Caiu-me a ficha, mas não consegui deixar de achar esse facto uma trivialidade perto das outras características únicasda peça. Enfim, valeu a pena. E assim caiu o pano sobre a minha (e de muito mais gente) semana cultural na Praia.

Jay no Momento Certo

Tinha visto o cartaz dele pelas ruas e pensei: “Este gajo tem mesmo cara de boa pessoa”. Depois o Nató disse-me que ele era aquele era o rapaz que cantava a música que me tinha mostrado há uns dias, à qual respondi, “é mesmo bom onda!”. Vai daí, comecei a perceber que esse Jay andava a fazer muito sucesso pela nossa urbe e achei que era boa ideia fazer-lhe uma entrevista para os retratos d’A Semana. E pronto, na quinta-feira, 20, durante o ‘check sound’, fui entrevistá-lo.

Dei-me com o mesmo sorriso da foto, um rapaz simpático com ar de miúdo apesar dos seus 30 anos. Um miúdo sem a noção do sucesso que tem, que não sabe que se estivermos dez minutos numa rua do Plateau à espera de uma boleia, ouve-se pelo menos três vezes as músicas dele a sair dos carros que passam, muito menos imaginava o que o esperava nos três dias que se seguiram à entrevista. Foi recebido de uma forma como eu nunca vi por estas bandas. Teceram-lhe rasgados elogios, aos quais reagiu sempre com uma humildade confiante, e emocionou-se quando viu um dos seus anseios a concretizar-se. A emoção dele tocou a minha, porque não é todos os dias que uma pessoa vê sonhos a tornarem-se realidade. Quando o encontrei na praia, na tarde de sábado, falou-me dos seus outros sonhos, que, sinceramente, espero que se concretizem. Depois de conversar comigo, foi dar uns saltos com os miúdos da praia e ensinar-lhes uns movimentos de capoeira. Era um deles, também.

20.11 Assisti ao concerto do Jay, na quinta-feira, no Cockpit. Actuou também na Assomada, na sexta, e no Gimno-desportivo no sábado. Tive pena de não ter ido, porque, como ele disse, “se as pessoas já foram a um concerto meu, não quero que deixem de ir a outro só porque já me viram uma vez. Quero ser a garantia que quando alguém vai ao meu concerto, o pessoal vai passar 'sabi' e não que vai ver a repetição de alguma coisa”.



Jay (@ cartaz espalhado pelas ruas, não sei quem é o autor da foto)

Nota: Houve outros espectáculos, nomeadamente o de quinta-feira, 20, que juntou Ricardo Deus, Kisó, Raul, Ângelo e Djinho no CCP, que, com muita pena minha, perdi devido às minhas obrigações “senzalares”. Sábado, o novo Banco de Investimentos, que anda a fazer furor com as suas iniciativas megalómanas (mas que não deixam de ser bem-vindas, que o digam as discotecas e hotéis da capital…) organizou um concerto de beneficência – com Yola Semedo, Tito Paris, Paulo Flores, Sandra Horta – ao qual também faltei por me faltar energias.

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