"Não consigo dominar este estado de ansiedade
na pressa de chegar, para não chegar tarde...
Estou bem onde eu não estou, porque eu só quero ir aonde eu não vou..."
Por que é que é sempre assim comigo, em tudo na vida?
31 julho 2008
23 julho 2008
Chás e genocídios
Naquele dia 21 de Julho de 2008, Dragan Dabic contemplava pela janela do seu apartamento no centro de Belgrado o frenesim matinal de um novo dia da capital sérvia. Enquanto espiava o céu nublado, analisando assim a influência meteorológica na energia dos chakras, bebericava um chá fumegante de tília e ginseng. Prolongava-se no prazer daquele sabor raramente metalizado com aroma de caramelo. Ele gostava deste tempo pairado, num minuto zero.
Fechou os olhos para melhor se demorar naquele momento e, de repente, invade-lhe a imaginação uma cena de dezenas de cadáveres empilhados desordenadamente numa vala comum e chega mesmo a sentir o cheiro fétido da carne em decomposição. Revolta-se-lhe o estômago e uma náusea incontrolável sobe-lhe pelo esófago até explodir num vómito aliviante.
Perturbado com tão estranha perturbação do seu íntimo mental e físico, decide não mais ver noticiários de televisão, nem ouvir os blocos radiofónicos e muito menos ler jornais. Só mesmo essas imagens atrozes exaustivamente transmitidas pelos media lhe poderiam provocar tal constrangimento. E logo na sua hora contemplativa do dia!
Esquecendo o infeliz episódio matinal, Dragan Dabic monta na bicicleta, o seu meio de transporte preferido. Aliada ao Tai-chi que pratica todas as manhãs, ambos os exercícios garantiam a manutenção de “mens sana in corpore sano”. Entrou na clínica de medicinas alternativas às 8h em ponto e o cheiro de incenso tranquilizou-o. Seguiu pelo corredor dos acupuncturistas, saudando-os inclinando cordialmente a cabeça – apesar de ter passado anos a estudar a doutrina chinesa continuava fiel ao cristianismo ortodoxo, de onde extraia as lições de meditação.
A sala onde dava as suas consultas de bioenergia, matematicamente decorada segundo as regras do feng shui, abraçava-o e ali podia estender-se nos seus estudos e análises sobre o equilíbrio de forças do ser humano e da Natureza. O primeiro discípulo (era assim que chamava a quem recorria aos seus serviços, pois acreditava que ensinava as pessoas a lidar com as suas descompensações de energia) do dia chegaria apenas às 9h. Entretanto poderia debruçar-se sobre o seu artigo para a revista Zdarv Zivot consultando os livros de Bioenergologia hindu, que um colega lhe tinha trazido de um antiquário perdido algures em Bombaim.
Inspirou fundo para sentir a fragrância quase doce que os livros antigos libertam. Fechou pela segunda vez no dia os olhos. E viu-se a si próprio, sem a barba e sem as longas melenas brancas que o caracterizam, impecavelmente penteado como se tivesse passado por um barbeiro de hotel cinco estrelas. Vestido com um vaidoso Armani preto dava ordens a um homem que lhe parecia familiar – sensação que tinha pela forma como as palavras lhe saiam da boca e não por realmente conhecer a pessoa, que devia ser um general, pela farda e medalhas que ostentava. O seu nome é Radko Mladic.
“Matem-nos a todos! Demos-lhes a oportunidade de regressarem às suas casas. Não quiseram, agora exterminem-nos, violem as suas mulheres e deixem as suas crianças órfãs. Limpem-nos desta terra, para que a Bósnia volte a ser um lugar puro.”, ouviu-se. Mladic acenou afirmativamente com a cabeça, elevou a mão recta à cabeça, tocou os calcanhares e foi ordenar a matança de 8 mil homens e rapazes bósnios-muçulmanos.
Dragan Dabic libertou-se de mais este devaneio matinal quando bateram asperamente na porta da sua sala. Confuso, não entendia a razão para aquelas visões tão claras que se assemelhavam a memórias. Engoliu em seco, estava encharcado em suor. Levantou-se pesadamente do seu cadeirão ergonómico e foi ver quem o acordou daquele despropositado pesadelo.
Assim que abriu a porta e cruzou os olhos com Vladimir Vukcevic, uma película cinematográfica de assassinatos, conluios, apertos de mão, facadas nas costas, cantos de poesia épica acompanhados a guitarra rodou na sua cabeça à velocidade de menos de um segundo. Automaticamente, tudo lhe apareceu claro e translúcido.
Dragan Dabic, ele próprio, era, afinal, Radovan Karadzic, o líder sérvio e um dos senhores da guerra que matou a Bósnia no inicio dos anos 90 e fez mais de 200 mil mortos, a maioria depositados em valas comuns ainda hoje por descobrir. Estava a ser preso por aquele procurador para crimes de guerra por genocídio e foi nesse dia, 21 de Julho de 2008, que deixou de interpretar o papel de terapeuta “new age” e voltou a ser o vaidoso e caricato médico, poeta, assassino e defensor da limpeza étnica e dos ideais da Grande Sérvia.
22 julho 2008
Inquietação do dia
Estou farta! = fartinha, cheia, não posso mais, já me causa náuseas, estou a rebentar pelas costuras, a perder as estribeiras, a entrar em descontrolo, a colapsar em relação a uma certa e determinada coisa que me acontece constantemente desde que me entendo por gente. Porra!
Estou FARTA!!!!!
Estou FARTA!!!!!
17 julho 2008
Noticiário das 20h
20 horas em ponto. O sonoro relógio em contagem decrescente da televisão marca o passo do seu posicionamento disfarçadamente profissional para ver o Jornal da Noite. O encontro é certo e pontual. Sabe que ele apareceria, só não tinha a certeza porquê.
Corte de fitas, lançamento de primeiras pedras, estado da Nação, pêsames a um qualquer falecido importante? Qualquer que fosse a razão, nenhum deles faltaria à certeza do encontro. Impreterivelmente.
Ele enquadrado por um “close up”, esverdeado pela luz desregulada da camera, cercado por vários microfones pseudo-inquisidores. Ela não se acomoda no sofá para não transparecer a sua demasiada atenção, mantém os músculos do rosto contraidamente inexpressivos e finaliza cada discurso (dele) com uma risada nervosa e um comentário de quem-percebe-muito-de-todos-os-assuntos-e-problemáticas.
Em cada peça segue a mesma rotina protocolar. Automática, capta o tema a ser tratado para calcular uma opinião e, depois, troca o chip cerebral (basta-lhe sintonizar o “punctum” da peça para saber o que ele vai dizer sem ter que o escutar. Nove anos dos mesmos discursos, de máscaras e brilhos diferentes, não luzem nenhuma revelação).
Enquanto assiste os 2-3 minutos de roda de imprensa, a imaginação viaja alcançando um diálogo esquizofrénico. Ouve-o declarar à nação:
“Convoquei todos os órgãos de comunicação social para informar que a amo, exclusivamente e unicamente a ela. Que todas as temáticas estruturais e conjunturais do país são pouco significantes se comparadas à paixão incondicional que por ela nutro. No âmbito do inenarrável encanto que ela emana, asseguro que a minha vida está subjacente à sua vontade”.
Fim de citação.
O rosto (dela) mantém-se estático e, numa milésima de segundos, engendra uma profunda posição opinativa.
Amam-se desta forma. Ele papagueando a saber que ela o estaria a ver. Ela concretizando os seus desejos nos intensos minutos da reportagem do noticiário das 20h. São encontros seguros e fieis, aqueles que nunca tiveram durante o um-entre-muitos namoro de adolescência.
15 julho 2008
A Senhora das Pedras
Por: Catarina Abreu
Quem passa todas as manhãs pelo posto de gasolina da Terra Branca, uma das principais artérias da cidade da Praia, vê-a dobrada sobre si mesma à cata de pedras preciosas – o cascalho que lhe dá o pouco sustento que precisa. Pedra a pedra vai enchendo o seu balde de 5 litros, que despeja em montinhos de brita. E é assim que vai matando o seu vício, o do trabalho, aquele que não a deixa ficar sentada. Porque acredita que sentar é morrer. Aos anos que tem perdeu-lhes a conta, mas, se lhe observar as rugas, tal como se faz com as linhas dos troncos das árvores antigas, vê-se que deve estar próxima da idade centenária. Nha Maria é o nome próprio deste anónimo rosto que é a senhora das pedras.
São 10 da manhã e Nha Maria descansa o corpo franzino que parece não ter peso. Quando não está de cócoras, concentrada à busca de pedras contempla com orgulho os montinhos de cascalho que já conseguiu juntar. Ao todo são quatro. Acerco-me dela e Nha Maria retribui-me com um sorriso. Peço-lhe que me conte a sua história e noto que fica feliz por ter alguém com quem trocar dois dedos de conversa. Começa logo dizendo que tem o “vício do trabalho”. “Que quer? Que fique sozinha em casa sentada à espera que a vida passe até a morte chegar?”, questiona-me, respondendo assim à minha pergunta se esta não será uma rotina muito pesada e cansativa para ela.
Essa tal rotina de Nha Maria consiste em levantar-se cedo, tomar um copo de leite (conta que é dos poucos alimentos que não lhe causa fastio), e vir desde a sua casa, que “construiu com as próprias mãos” em Tira-Chapéu, até à Terra Branca onde passa a manhã naquele afincado labor. Até há uns meses atrás, ficava a trabalhar à tarde também, mas como o Sol de Verão fica mais forte não suporta o calor, o que a faz rumar a casa às 11 horas.
Nha Maria nasceu no Fogo, numa das localidades do interior de São Filipe. Veio para a Praia ainda pequena, onde casou e teve três filhos: dois biológicos, um dos quais já faleceu, e outro de criação. Depois do marido falecer e dos filhos casarem e rumarem para outras paragens, Nha Maria ficou sozinha. Mas não esmoreceu. Construiu com a força dos seus braços e a grandeza do espírito a casa onde vive. Concluído o ambicioso empreendimento, voltou a ficar sem ter o que fazer. Foi nessa altura que se virou para a apanha das pedras da ribeira na Terra Branca.
Não tendo como proteger o seu tesouro de cascalho, pede aos vizinhos que fiquem de olho método pouco eficaz perante a esperteza dos amigos do alheio. O único “ódiozinho” de estimação que guarda é de uma vizinha que garante ter-lhe roubado a brita, tendo-a depois vendido a um homem da Assomada. “Aquilo foi como me tirarem a colher de comida da minha boca e ter posto na sua”, afirma. “Ka ta fazedu!”
Nha Maria recebe a pensão social mínima de 3500 escudos. Pode subtrair o preço dos seus montinhos de cascalho até aos dois contos e 500. E soma ao seu pé-de-meia mensal as notas inconstantes daqueles que simpatizaram com a sua figura. Do total, dá algum à filha de criação. Diz que come pouco, costume comprovado pelas saliências ossudas do corpo magro que esconde entre panos e roupas. Perante a minha perplexidade de quem dá o que tão pouco tem, sorridente, esclarece-me: “Kel dinhero N ta da-l pa ses sinku fidju, pamodi N ka ta kume-l!”.
*Publicado na edição 857 do Jornal A Semana
09 julho 2008
TCV – Calamidade Pública
Acabei de ver uma reportagem na TCV que me fez explodir para este texto toda a indignação (e depois desta reportagem, raiva mesmo) que a televisão pública cabo-verdiana me tem provocado. Depois de muitas argoladas, pontapés na ética e deontologia jornalística e um português de bradar aos céus (isto para não falar da parte do entretenimento, em que passam séries e filmes pirateados violando as leis do país e o direito internacional. Realço mais uma vez que estamos a falar da televisão PÚBLICA, logo do Estado, que, pelo que sei, ainda é de Direito em Cabo Verde), vêm agora com uma clara violação aos Direitos da Criança.
Uma criança foi vítima de agressão sexual em São Domingos. A população está indignada, claro está. A equipa de reportagem ruma àquele concelho de Santiago, busca a criança, põe-na de costas para a camera, numa tentativa falhada de esconder a sua identidade e faz-lhe perguntas que nem tenho coragem de repetir aqui de tanto que me embrulha o estômago! Fala com os familiares da criança, os amigos, os vizinhos. Monta a bela da peça e colocam-na no ar, conseguindo assim tornar o crime, que de si já é hediondo, ainda mais horrível. Apaziguam as consciências com o aviso da pivot, antes do início da peça, que a reportagem “pode ter linguagem eventualmente chocante”.
Milhões de perguntas me surgem na cabeça. Onde é que a jornalista teve aulas de ética jornalística? Pior, onde está a sua ética pessoal, humanismo? Sim, porque esta peça só serviu para alimentar um ‘voyeurismo’ sórdido. Onde está o director de informação da TCV que permite que uma coisa destas vá para o ar? E se isto fosse com uma familiar dos profissionais envolvidos na produção da peça, gostariam que lhes invadissem a vida da mesma forma? Onde é que andam as autoridades que controlam este género de violação dos Direitos da Criança, no horário nobre da televisão pública?
Quando vi aquela peça senti raiva, muita raiva, e pena também. Pena por mais esta machadada no jornalismo cabo-verdiano. Mas acima de tudo fiquei com aquela menina na cabeça, que por não ter adultos que a protejam quer contra quem a agride fisicamente, quer quem o faz psicologicamente desta forma tão leviana!
Uma criança foi vítima de agressão sexual em São Domingos. A população está indignada, claro está. A equipa de reportagem ruma àquele concelho de Santiago, busca a criança, põe-na de costas para a camera, numa tentativa falhada de esconder a sua identidade e faz-lhe perguntas que nem tenho coragem de repetir aqui de tanto que me embrulha o estômago! Fala com os familiares da criança, os amigos, os vizinhos. Monta a bela da peça e colocam-na no ar, conseguindo assim tornar o crime, que de si já é hediondo, ainda mais horrível. Apaziguam as consciências com o aviso da pivot, antes do início da peça, que a reportagem “pode ter linguagem eventualmente chocante”.
Milhões de perguntas me surgem na cabeça. Onde é que a jornalista teve aulas de ética jornalística? Pior, onde está a sua ética pessoal, humanismo? Sim, porque esta peça só serviu para alimentar um ‘voyeurismo’ sórdido. Onde está o director de informação da TCV que permite que uma coisa destas vá para o ar? E se isto fosse com uma familiar dos profissionais envolvidos na produção da peça, gostariam que lhes invadissem a vida da mesma forma? Onde é que andam as autoridades que controlam este género de violação dos Direitos da Criança, no horário nobre da televisão pública?
Quando vi aquela peça senti raiva, muita raiva, e pena também. Pena por mais esta machadada no jornalismo cabo-verdiano. Mas acima de tudo fiquei com aquela menina na cabeça, que por não ter adultos que a protejam quer contra quem a agride fisicamente, quer quem o faz psicologicamente desta forma tão leviana!
08 julho 2008
Inquietação do dia
Alguém me pode responder?
Por que é que os funcionários dos cafés, bares e restaurantes em Cabo Verde, entre duas mesas usadas, uma com clientes e outra sem, optam SEMPRE por limpar aquela que não tem clientes, deixando as pessoas que querem ser atendidas à espera?
Por que é que os funcionários dos cafés, bares e restaurantes em Cabo Verde, entre duas mesas usadas, uma com clientes e outra sem, optam SEMPRE por limpar aquela que não tem clientes, deixando as pessoas que querem ser atendidas à espera?
À décima é pró Palácio da Presidência!
Um ano, seis meses e oito dias de Cabo Verde (tirando um mês e meio que totalizam o meu tempo de férias em Portugal) já conto com cinco mudanças em cima. Só este ano foram quatro casas e, como costumo dizer, aquilo que chamo de lar não é o espaço físico onde estou mas sim as minhas coisinhas e traquitanas que me proliferam pela vida e contam a minha história.
Pela Cidade da Praia já passei pelo Palmarejo, Descida do Lavadouro, Fazenda, Ponta Belém e agora Plateau, rua 5 de Julho (faz aqui lembrar a observação do Tide – mudei-me para a 5 de Julho, no dia 5 Julho. Algumas conclusões a tirar?). Cada mudança envolveu uma peripécia, ao bom estilo comédia trágica, como tudo o que acontece na minha vida.
Do Palmarejo saí porque detesto a zona e a minha rua, na altura, não era propícia para uma menina sozinha viver (só depois de sair é que soube que por lá se "passavam" coisas duvidosas). Depois fui para a casa do jardim, linda e cheia de luz, um paraíso na Praia até ter sido assaltada com retoques de calculismo e estudo de vida (trauma dos telemóveis, deixo-os em casa para não mos roubarem mas nem assim…).
Rumei à Fazenda, recurso de emergência, a casa até era agradável. Menos positivo eram os orgasmos barulhentos da minha vizinha de cima às 5 horas da manhã e que me acordavam a meio da noite. Isto para não falar do bar no andar de baixo que funcionava até os orgasmos começarem e que também não primava pela tranquilidade.
De um dia para o outro, mudei para Ponta Belém, zona do Plateau, onde desde o dia em que cheguei à Praia queria morar… Seria este o início da realização de algo que eu queria mesmo muito? Não. A casinha é linda, mas como a Ana disse – e bem – é um engodo. Uma semana de “acho que assentei de vez e finalmente vou morar num local que gosto” e lá apareceu a besta implacável que atormentou os meus dias e, pior ainda, as minhas noites. Equipa de desparatização na área, férias em Portugal a pensar no assunto (sempre a questionar-me se quando chegasse à Praia o “Stuart” não ia estar a morar na minha casa com a sua família), rede caríssima de fio de arame não chegaram para neutralizar os meus medos. Resultado? Noites sem dormir, ansiedade constante e rejeição tal à casa que lá não conseguia ficar dentro dela mais de 30 minutos.
Até que a Ana deixa a sua casinha de sempre na rua 5 de Julho e, tal como, mais uma vez sabiamente, diz, fui “trocar uns problemas por outros. Mas como estes são novos, talvez me pareçam mais fáceis de lidar”. Agora sinto-me bem, até as próximas chuvas porem à prova as obras que a senhoria anda a fazer no telhado. É bem possível que um dia destes encontre uma tropical cachoeira na época das chuvas, mas animaizinhos com nomes começados por R, isso garantiram-me que é pouco provável.
Não vou lançar foguetes só porque agora estou bem. Não vá o Diabo tecê-las, como adora fazer comigo, e tenha eu encontrado uma “bela” que daqui a uma semana vira “monstro”. Porque mudar mais uma vez é bem possível. E já disse, por este andar, à décima é pró Palácio da Presidência!
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