14 dezembro 2010

Calma

Calma é uma assistente social grávida tranquilizar uma mulher transtornada por lhe terem cortado o subsídio, logo este mês, que é mês de Natal. "Só" porque não levou a filha às consultas de ortopedia e ela mesma não foi ao controlo obrigatório da metadona, condição 'sine qua non' para receber o famigerado RSI.

Calma é essa assistente social grávida ouvir ameças a uma colega sua (que estava igualmente calma), de que lhe vai "cortar a cara", de que vai matá-la, de que ela vai saber o que é fome e continuar com o rosto inalterável: nem uma tremura no lábio, nem um espremer de mãos, nem uma contracção no sobrolho.

Calma é essa assistente social grávida ser alertada por alguém bem menos calmo de que a mulher transtornada já pegou na faca e a escondeu no bolso, ser-lhe perguntado por que é que ainda não se chamou a polícia e responder, com toda a calma do mundo, que já ligaram há uma hora mas que ainda não chegaram.

Calma é essa assistente social grávida - e as suas colegas, inclusivamente "a ameaçada" - permanecer não impávida mas serena e recorrer ao ditado que lhes retrata a vida: Este é o pão nosso de cada dia por aqui.


9.10.2010, numa instituição de solidariedade social pública em Guimarães

1 comentário:

Unknown disse...

Tantos provérbios a que podemos recorrer, mas prefiro pensar que isto faz parte da excepção e não do pão nosso de cada dia. Senão a assistente social e outra qualquer colega mal educada, como já aparecem a bem educados, seriam a regra, porque já têm uma certa fama. É só preciso saber quem merece essa fama de mau. Há maus recebedores de RSI mas também há os que sempre fizeram por o merecer (trabalhar desde os 14 e na casa dos 40 não ver nenhuma alternativa).
E nem quero acreditar que são todos maus polícias, apesar do meu primeiro pensamento ter imaginado um agente mais à frente da dita instituição a comandar o trânsito caótico nos Palheiros.
Agora só falta uma das máximas do meu avô para rematar..."qualquer dia o mundo acaba com uma explosão"