03 outubro 2009

A caminho de casa

(22h06) O ex-combatente em Angola que me queria conquistar com uma conversa viciosa e um cheiro fétido a álcool que lhe correu solto durante a vida. Tento ignora-lhe a história e os avanços palavrosos. Mas não consigo. Levanto-me e mudo-me para o outro lado da praça.

(23h01) Preciso de me aquecer. Preciso de chocolate. E preciso de ir à casa-de-banho. Vou até ao 120, um dos bares da praça, dessas tantas vezes repetida por esse país fora. O dono, ao ver que eu podia ser um cliente em potência pelas três marcas de chocolates diferentes que comprei, tentou persuadir-me a comprar uma barra alimentícia, que – milagre! – substitui uma refeição completa. “Veja, menina, tem vitaminas, proteínas, tudo que precisa para almoçar.” “Ora muito bem”, respondi eu, “E tem vendido?”. “Oh, menina, trouxe isto ontem de Lisboa e olhe, já está quase no fim!”. “Que bom! Posso usar a casa-de-banho, por favor?”.

(00h53) O casal que seguia o mesmo caminho que eu, foi o meu “segurança” durante a hora e vinte que durou a minha espera na rodoviária, no centro de uma avenida deserta. Ela, toda vestida de ganga da mesma cor: uma saia até ao joelho e uma jaqueta cintada. Óculos de massa castanhos, cabelo curto, fino e preto, argolas médias de ouro, sandálias à missionária. Não anda com a casa atrás dela, qual caracol: uma carteira, uma lancheira e um mapa das estradas de Portugal espetadito de um bolso. A bagagem parece ter sido arrumada só com o necessário: sem o esforço titânico do “ora, enfia isto neste espacinho” e a hercúlea prova final de apertar o fecho. O homem cheira a cerveja e parece um tipo bem disposto. Tem este ar arrumadinho graças aos cuidados de carinho dela. Usa sapatos de vela castanhos, calças de ganga, sweat-shirt cinzenta. Apesar de não ser gordo, tem um duplo queixo bem decalcado.

Olhando para eles, imagino que ela tenha sido uma freira e ele, com certeza, seria o padeiro que distribuía o pão no convento. Um dia apaixonaram-se. E o resto é o que se vê. Hoje trocam olhares cúmplices e micro gestos de ternura, enquanto esperam pela camioneta das duas da manhã.

1 comentário:

Tey Alexandre SilFonSoares disse...

Gostei da explicação... fez-me viajar nos detalhes... mas fiquei com pena de não saber em qual cidade... E como tenho reparado, o sexo feminino não olha para as pessoas... scaneas...